quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

a mulher e a galinha


O homem ficou ali parado durante muitas horas pensando no que seria sua vida. As horas passavam e ele não sentia, não percebia, passavam vãs na sua mente como se não existissem. Seu pensamento voava longe como quem procurasse algo em um mundo desconhecido, procurando sem saber o alvo da procura.

Sua idade, ou como ele dizia, sua feliz idade não lhe teria trago até o momento nenhuma grande recordação, nada do que pudesse se orgulhar, nenhum grande amor, nenhuma grande conquista, nem poder, nem nada, era somente vida sem vida. Seu coração às vezes batia mais acelerado, mas normalmente isto só acontece quando alguma lembrança vem à mente, porém não era isto que ocorria com ele, acontecia vindo do nada, sem nenhuma explicação plausível.

Morava num pequeno apartamento de três cômodos, não muito confortável nem bonito, mas tinha como viver nele sem nenhum empecilho. Este imóvel era sua única grande conquista, trabalhou muito para consegui-lo e, de uns tempos para cá, havia deixado de lutar para mante-lo, não por covardia, mas por simples cansaço. Era demasiado cansativo trabalha para si próprio sem nenhum propósito, não tinha pelo que ou por quem lutar, era solitário, as poucas companhias que teve desde que conseguira seu apartamento foram algumas prostitutas que lhe cobraram bastante caro pelas duas horas e meia de companhia, mas agora não fazia mais sentido chama-las para acompanhá-lo.

Lembro-se vagamente de uma mulher pouco atraente, mas bastante inteligente que ás vezes lhe telefonava, fazia já algum tempo que ela não aparecia, sentira até um pouco de saudade, e foi então que teve uma recordação bem agradável de uma das ultimas vezes que tinha tido com ela.

Lembrou-se que tinha saído para jantar, fizeram uma boa opção no cardápio, a comida vegetariana muito lhe agradava. Optara por ser vegetariano desde quando era criança e viu seu pai matar uma galinha na sua frente, a agonia do bicho ao sentir seu pescoço ser quebrado fez o garoto não comer carne pensando no sofrimento do bicho, e naquele instante, no momento da morte do bicho pensou que fosse ele também mataria para dar parada ao sofrimento do pobre animal. E porque tinha pensado nisto agora?

A mulher que há tempos não via o fez ter saudade agora, foram para a cama uma vez e descobriu naquele instante que era a primeira vez que ela ia para a cama, ele ficou assustado, porém se sentiu lisonjeado. Era estranho uma mulher naquela idade não ter saído com ninguém até agora e, não compreendia por que fora ele o escolhido.

Junto com a saudade veio também uma angustia inexplicável que fizera seu coração bater descontroladamente quase lhe causando dores, as duas lembranças começaram a ficar confusas na sua mente, a galinha morrendo, agonizando e a mulher na sua cama. A dor no peito aconteceu de fato a ponto de fazer o homem cair no chão. Caído, olhou sem querer para o espelho enorme que tinha em seu quarto, seu grande luxo, o reflexo o assustou, viu a mulher deitada sem vida em sua cama.

Agora as coisas já faziam sentido, mesmo que não tivesse nenhuma razão lógica para o fato. A mulher estava morta. Ele a matara para não dar continuidade a sua dor de primeira vez. Ele se assustou e se entristeceu ao ver que a mulher sentia dor enquanto ele a penetrava e, por não saber o que fazer, pois não sabia como tratar uma mulher tão pura, assustado com sua face que demonstrava dor e prazer, só se fixou na dor e não quis mais vê-la sofrer, apertou seu pescoço até lhe faltar completamente o ar matando-a. Não teve maldade naquele instante, somente pena do sofrimento que ele imaginava que ela estava passando, só quis poupá-la.

Chegou perto do corpo e viu que ela estava com expressão de risos, mas desesperada, senti-se sufocado com a visão, sua dor aumentou, o peito latejava, arrastou-se até perto do espelho que ainda refletia a mulher morta, a dor aumentando, teve um alavanco no corpo como se estivesse sendo eletrocutado, batendo sua cabeça no vidro fazendo ele em pedaços, os cacos caíram a sua volta, a dor não parava e ele já estava cansado de sofrer aquela dor e aquela visão. Uma lagrima rolou salgada em sua boca, o gosto do desgosto lhe deixou mais desesperado e um pedaço de vidro fora sua salvação.

A vida não lhe passou na mente nos últimos instantes de vida, afinal não tinha do que se recordar, só se lembrara da mulher e da galinha.

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