terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sem fim do fim...



Era um domingo. Domingo a tarde de um sol quente, ardia a alma, os olhos e a boca. Havia nuvens carregadas no céu, mas nada que impedisse a claridade de tudo que acontecia.
A tarde passava lenta, dolorosa, nunca acabava...e quando acabou: desmoronou. Acabou o domingo, o sol, não teve estrelas, nem lua. Parecia noite de bruxa, tudo escuro, quente e vento forte, calado.
Depois de tanta dor, o correto seria sentir mais dor. Foi o que houve: mais dor, choro, desespero. Uma dor tão forte, que nem o corte fundo no pulso curava. Uma dor tão forte, quem nem todo vômito do mundo pode arrancá-la de onde estava.
Assim caia a madrugada de insonia, que nem a masturbação mais leve poderia curar. Houve um grande momento de pranto...tantas lágrimas que rolavam que cegou, não se podia ver nem a escuridão. As lágrimas salgaram mais ainda a boca, tapou os ouvidos, molharam os seios, mas não lavou o coração...a dor não passava.
Era assim que corria a madruga. Arrastada, cambaleante, perdida entre uma cochilada e um pesadelo. Indecisa entre a dor do pulso cortado e a ferida do peito aberta. As moscas começam a botar larvas no corte. Impossível saber em qual machucado, mas elas já devoravam cada pedacinho de carne, cada gota de sangue que rolava. Nem com toda esta dor a lembrança parava de atormentar.
A lembrança atormentou tanto que o óbvio apareceu: as lembranças surgiam de um lugar que não era no peito, nem nos dedos, nem no sexo, nem no pulso. Tampouco da garrafa de vinho vazia, do resto de fumo, do pouco de pó que restara. Ela simplesmente surgia. Vinha de um lugar que deveria ser calado, que o corte profundo deveria ter suplantado...
O corte não deveria ser no pulso. Era a cabeça que não parava. Ela que forçava a lembrança dolorosa de um domingo inacabado, de uma madrugada sem fim, da impossibilidade do amanhã, da chuva maneira, tinhosa, de verão inesperado que caia lá fora quando ninguém sabia dela, quando todos dormiam tranqüilamente esperando o dia de branco. Era a cabeça, ela que precisava ser calada, e não o pulso, que carinhosamente ajudava manejar os dedos que acariciavam o sexo na tentativa de obter algo semelhante ao desespero das nuvens carregadas que não tapavam o sol.
Então aconteceu... a lembrança foi calada, deixada. A lamina passou tão fundo na memória, doeu tanto e insuportavelmente, que rapidamente veio o escuro total e tudo ficou trancado dentro do quarto vazio, escuro...esquecido.

4 comentários:

Beat disse...

Muito, mas muito bom mesmo.

rafael andolini disse...

o beat saca das coisas!

Unknown disse...

Bravo, bravíssimo!
Texto poético e sujo!
ótimo!

Fatima Santos disse...

é tão lindo e melancólico que, ao ler da vontadade de sentir na pele.
de viver essa experiência parabéns.
lindo!